O Brasil enfrenta sua maior agressão externa desde o Golpe de 1964. O mesmo algoz imperialista que articulou e incentivou a Ditadura Militar, os Estados Unidos, impõe agora uma política protecionista de tarifas de 50% sobre a economia brasileira. Os objetivos alegados por Trump são a libertação do ex-presidente Jair Bolsonaro, saudoso daquela Ditadura Militar, e a suposta “correção de maus tratos” a empresas americanas de tecnologia.
Trata-se, na verdade, de uma guerra comercial que tem o efeito prático de um bloqueio comercial entre Brasil e EUA. Além disso, as ações de Trump são uma agressão política imperialista, com o objetivo de interferir nas decisões judiciais brasileiras e no cenário político do país.
Desta vez, contudo, o Brasil tem conseguido resistir à pressão até o momento. Isso se deve a uma espécie de margem de manobra possibilitada pela disputa interimperialista que tem tido palco em nosso país. Diante dessa situação, a classe trabalhadora brasileira não pode se alinhar nem com o imperialismo americano nem com o chinês. Ambos buscam explorar nosso território, nossas riquezas e nossa força de trabalho. Cabe aos trabalhadores e à juventude adotar uma política de independência de classe e construir as forças do comunismo necessárias para superar a atual crise nacional.
De 1964 a 2025
O Golpe de 1964 teve os efeitos de, ao interromper o mandato de João Goulart e reprimir as massas que se mobilizavam, acabar com qualquer pretensão nacionalista para o Brasil e abrir o país para os negócios e a exploração dos EUA, em primeiro lugar. A transição de regimes que perdoou torturados e torturadores, seus agentes e apoiadores, expressa na Lei da Anistia de 1979, foi completada com a da Constituição de 1988.
O novo regime saído desse processo, a Nova República, manteve as relações econômicas que vigoraram no período anterior. A burguesia subordinada ao imperialismo americano manteve seus negócios e os mesmos agentes externos continuaram explorando e intervindo no Brasil sob os regimes formalmente democráticos.
Entretanto, a partir de 2013, vimos o desmoronamento daquele pacto social estabelecido pela Constituinte que restabeleceu a ordem após a queda do regime militar. O desmoronamento da Nova República foi expresso em primeiro lugar pela irrupção das massas nas ruas. Em seguida por eleições presidenciais conturbadas em 2014, o golpe palaciano de 2016 que impôs o impeachment de Dilma e o estabelecimento do governo de Temer.
Seguiu-se o esquema judicial montado por Sérgio Moro, a prisão e exclusão de Lula da disputa eleitoral e a consequente eleição de Bolsonaro em 2018. Essas expressões sociais e políticas correspondiam também a uma mudança importante no plano econômico: a chegada do capital chinês com força ao Brasil, deslocando o domínio financeiro dos EUA sobre o país que reinava até então e disputando espaço com os capitais financeiros dos países imperialistas tradicionais.
O novo presidente dos EUA impõe agora, entre todas as tarifas que lançou sobre os outros países, o percentual mais alto do mundo sobre o Brasil. Tamanha violência econômica só pode ser comparada com a guerra tarifária de Trump contra a China no primeiro semestre deste ano.
Diferente de 1964, contudo, os americanos não estão preocupados com alguma pretensão nacionalista brasileira. Pelo contrário, o Brasil tem sido vanguarda não só no incentivo para o capital estranjeiro instalar-se no país, como tem promovido a privatização de empresas e serviços públicos, tanto aqueles ligados à indústria quanto até mesmo de serviços como saúde e educação.
As dívidas interna e externa têm sido pagas religiosamente governo após governo. Um compromisso que ultrapassa 75% do PIB e que compromete todos os anos quase 50% do Orçamento da União. Uma verdadeira sangria de recursos da nação, símbolo de sua subordinação ao imperialismo americano e escolhida como a prioridade número 1 da política econômica de Lula e Haddad. Essa é a política expressa pelo Arcabouço Fiscal.
Também não se trata de um receio pela mobilização das massas e de um governo que se incline a atendê-las, como foi o caso com Jânio Quadros ou João Goulart. Ao invés disso, o Brasil é dirigido por um governo que caracteriza-se por uma política de “união nacional” – o que significa a subordinação da classe operária aos interesses da burguesia. Um governo formado para salvar o capital, seus negócios e suas instituições estabelecidas, com Lula à sua cabeça, como ex-sindicalista que mantém sob certo controle as organizações da classe trabalhadora.
Sendo assim, a agressão americana não se explica por um suposto risco nacional-desenvolvimentista ou por uma guinada à esquerda por parte do governo Lula ou pelo risco de uma revolução comunista que ameace o modo capitalista de produção no país.
Seria então a atual guerra comercial contra o Brasil resultado da decisão de um maluco sentado na Casa Branca? Se não é este o caso, então quais seriam as forças materiais que impelem a nação mais poderosa do planeta a lançar-se contra o Brasil?
Já analisou-se, em documentos divulgados pela Organização Comunista Internacionalista (OCI) e pela Internacional Comunista Revolucionária (ICR), a situação de crise econômica mundial que o sistema capitalista enfrenta, a dificuldade dos capitalistas em manter taxas de lucro como fizeram no passado e a abertura de uma nova situação política mundial marcada pela vitória eleitoral de Trump. Queremos neste artigo avançar a compreensão sobre o modo, as particularidades e o desenvolvimento dessa situação geral a partir do contexto brasileiro.
O alvo de Trump é outro
Podemos nos aproximar da resposta ao analisar, em primeiro lugar, a evolução das relações econômicas entre Brasil-EUA e Brasil-China ao longo dos últimos 20 anos. Desde 2009, a China tornou-se o principal destino das exportações brasileiras, deixando os EUA em segundo lugar. No primeiro semestre deste ano de 2025, exportou-se para a China US$ 47,68 bilhões, enquanto para os EUA foram US$ 20,01 bilhões.
Quando o assunto é importações, a lista também é puxada pelos chineses. O acumulado do primeiro semestre de 2025 contabilizou US$ 35,69 bilhões. Já os produtos americanos enviados para o Brasil somaram US$ 21,70 bilhões no mesmo período. Tanto nas exportações quanto nas importações realizadas pelo Brasil, os líderes incontestes são China e EUA. Diversas cifras podem ser elencadas para representar a mesma tendência.
Tratemos agora de adentrar mais um passo na compreensão das relações concretas representadas por esses dados de balança comercial. O que importa, para nossa análise, não é o país de onde uma mercadoria veio, mas sim a nacionalidade da burguesia que é proprietária do capital da empresa que comercializou aquela mercadoria. Será para a nação proprietária do capital que se reverterá, em última instância, o lucro obtido pela transação.
O montante de negócios do Brasil com a China tem uma parcela controlada por empresas de capital americano, como a Apple, Dell, Microsoft, Intel, Nike, Ray-Ban e a Tesla de Elon Musk. Assim como há outras frações controladas por capitais de outras burguesias imperialistas.
Esses dados – e gostaríamos de chamar a atenção do leitor para isso – também contemplam um movimento de exportação de capital propriamente chinês. Após uma longa marcha da China para o capitalismo, a China alcançou nos últimos anos a condição de uma nação imperialista que disputa com velhas burguesias imperialistas, e inclusive já superou diversas delas.
Estabeleceu-se uma quantidade massiva de capitais instalados na China, de tal forma que passou-se a conviver com a contradição estabelecida pela limitada capacidade de consumo das massas daquele mercado interno. Essa situação exige que as empresas chinesas exportem capital para novos mercados, onde haja aplicação mais lucrativa.
Tal movimento é justamente uma característica marcante do capital de tipo imperialista, tal qual estudado por Lênin. Esse tipo de capital é aquele expresso por empresas de capital majoritariamente chinês como a ByteDance (TikTok), Xiaomi (smartphones), Shein (e-commerce), Lenovo (PCs), Huawei (telecomunicações e eletrônicos), AliExpress (e-commerce), OPPO (smartphones), Cherry (automóveis), BYD (veículos elétricos), TP-Link (dispositivos de rede), JAC (automóveis), Midea (eletrodomésticos).
Essas são algumas das empresas de capital chinês produtoras de bens de consumo finais, citadas porque inclusive possuem unidades produtivas ou operacionais em território brasileiro. Ou seja, expressam um capital chinês já instalado em nosso território.
Evidencia-se assim que o que Trump e os EUA combatem é tanto o capital chinês que chega na forma de importações brasileiras, quanto aquele capital chinês instalado ou em processo de instalação em território brasileiro e cujas mercadorias são dirigidas para o mercado consumidor interno do Brasil e da própria China.
Infraestrutura e logística
Analisemos agora o investimento de capital chinês em outras áreas econômicas, como na infraestrutura no Brasil. Já em 2010 pode-se observar que a Sinopec (China Petrochemical) comprou participação em ativos de exploração e refino petrolíferos. Em 2013, Dilma leiloou os direitos de exploração do Campo de Libra por 35 anos, com a oferta de proposta de um único consórcio, que portanto venceu.
Entre as empresas que compunham esse consórcio, duas eram estatais chinesas, a CNPC (China National Petroleum Corporation) e a CNOOC (China National Offshore Oil Comporation), abocanhando 20% ao todo.
Em 2017, a CMPort (China Merchants Port) comprou 90% do Terminal de Contêineres de Paranaguá (no Paraná), marcando a entrada chinesa no setor portuário e logístico brasileiro. No mesmo ano, a State Grid (outra empresa chinesa) passou a controlar o grupo de distribuição de energia CPFL, de São Paulo, o que mostrou a disposição chinesa de investir em operações do setor elétrico brasileiro.
Isso teve impacto importante para o Movimento das Fábricas Ocupadas. Em 2018, foi a nova administração chinesa da CPFL que decidiu não mais negociar com os trabalhadores da Fábrica Ocupada Flaskô e interrompeu o fornecimento de energia elétrica à fábrica no interior de São Paulo. Esse episódio culminou no fechamento da mais longa experiência de ocupação de fábrica sob controle dos trabalhadores no Brasil.
Já naquele período, a CTG (China Three Gorges) comprou ativos de geração e passou a operar grandes usinas hidroelétricas no Brasil. Foi também em 2017 que o grupo chinês HNA adquiriu participação de 60% para controlar o Aeroporto Internacional Tom Jobim (na cidade do Rio de Janeiro).
Em fevereiro de 2024, registrou-se a vitória do grupo chinês CRRC (China Railway Rolling Stock Corporation) no leilão promovido pelo Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para construir e operar por 30 anos a linha ferroviária ligando São Paulo a Campinas. Foi o símbolo da entrada de capital chinês no setor de ferrovias no Brasil.
Também no ano passado iniciou-se o projeto de grandes investimentos do grupo chinês de agronegócio COFCO (China National Cereals, Oils and Foodstuffs Corporation) no Porto de Santos (no Estado de São Paulo). Esse plano contempla frota ferroviária e rodoviária para escoamento de mercadorias, com participação direta na operação logística e de exportação. A COFCO é o maior conglomerado estatal chinês de agronegócio. A iniciativa busca criar corredores de exportação exclusivos para atender a demanda chinesa, reduzir custos e riscos e consolidar a posição da China como ator direto no escoamento da produção agro-alimentar brasileira.
Neste último mês de julho, a mesma CRRC assinou contrato com o Metrô de São Paulo para fornecer 44 novos trens para as linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha. O valor oferecido por ela no leilão realizado em 27 de dezembro foi de R$ 3 bilhões. Para cumprir esses empreendimentos ferroviários, a empresa chinesa CRRC dispôs-se a fabricar os trens e outros materiais na cidade de Araraquara (SP). Para isso, irá apropriar-se das instalações abandonadas de uma fábrica da coreana Hyundai.
Quer dizer que a atual política agressiva de Trump contra o Brasil se dirige contra um país onde a China já controla ou está em vias de controlar parcelas significativas da infraestrutura logística. Portos, energia e ferrovias não são apenas negócios lucrativos. São também corredores estratégicos para o escoamento de mercadorias e para o redesenho das rotas comerciais globais. Ao avançar nesse setor, Pequim mina um dos pilares da dominação americana na América latina: o controle das vias de transporte e comunicação que ligam o Brasil ao mercado mundial.
Imperialismo chinês em Santa Catarina
O capital chinês também tem como alvos estados brasileiros como o de Santa Catarina. Desde 2016 avançam tratativas para a construção do Terminal Graneleiro Babitonga, na cidade de São Francisco do Sul. O projeto foi orçado em R$ 1 bilhão, do qual a já citada estatal chinesa COFCO se comprometeu a aportar R$ 200 milhões. Outra chinesa, a CCCC (China Communications Construction Company), também manifestou interesse em participar.
O próprio governo do Estado de Santa Catarina anunciou que o grupo chinês Hopeful comprometeu-se a realizar um investimento inicial de R$ 600 milhões em outra iniciativa na mesma cidade, o Terminal Graneleiro Santa Catarina, dedicado a granéis agrícolas. Há ainda negociações com empresas chinesas para a instalação do Terminal Porto Brasil Sul na mesma cidade, esse de caráter multicarga.
Os chineses também miram a infraestrutura ferroviária catarinense, como pode ser conferido nas negociações ocorridas para aquisição da Rumo ALL. Essa concessionária opera a malha ferroviária de São Paulo ao Sul. Portanto, também em Santa Catarina e tem acesso ao porto de São Francisco do Sul.
Também no setor ferroviário, o governo de Santa Catarina entabulou negociações em setembro de 2023 com outra empresa chinesa, a CRCC (China Railway Construction Corporation). Na pauta, dois projetos ferroviários. Um de cerca de 60 km, de um trecho entre Araquari a Navegantes, que conectaria Itajaí à malha nacional. Outro projeto é de 319 km de ferrovias que conectaria Chapecó a Correia Pinto, ligando o Oeste catarinense ao litoral.
Em junho deste ano de 2025, o governador Jorginho Mello esteve na China e, entre outros assuntos, discutiu uma parceria com os chineses para desenvolver a aviação regional no Estado, para a conexão dos 24 aeroportos catarinenses. Parte desse plano é a aquisição de aeronaves chinesas produzidas em uma fábrica de aviões de Harbin.
Também fez parte do roteiro de Jorginho a visita à sede da chinesa CRRC (aquela com presença em São Paulo), onde discutiu os planos dessa empresa para instalar uma unidade no Brasil, e buscou avançar os projetos cotados em 2023 para construção da malha ferroviária catarinense. A CRRC comprometeu-se a visitar SC nestes próximos meses para conhecer de perto o projeto e avançar as conversas com o governo.
Outro saldo da visita de Jorginho à China foi a negociação realizada com a estatal PowerChina para a instalação de um data center de grande porte em Santa Catarina. A cidade escolhida provavelmente será Lages, aquela que sempre aparece nos noticiários de meteorologia com as temperaturas mais baixas do Brasil e até mesmo com neve. Isso deve-se ao fato de que esse tipo de clima é favorável para o empreendimento, pois visa suportar infraestrutura para inteligência artificial e inovação tecnológica.
Além disso, o ano de 2024 registrou a instalação da primeira unidade da chinesa Eikto no município catarinense de Laguna. Foram investidos cerca de R$ 20 milhões nessa unidade, com uma linha de montagem que realiza a comercialização de baterias de íon-lítio. Neste ano de 2025, a Eikto já anunciou uma expansão de sua unidade de Laguna, elevando para R$ 114 milhões os investimentos totais.
Em julho deste ano, a FIESC (Federação das Indústrias de SC) recebeu uma delegação da província chinesa de Shanxi, com a qual Santa Catarina começou a ter intercâmbio em 2015. O evento discutiu a cooperação nos setores de máquinas, construção civil, siderurgia, mineração e cooperação acadêmica/técnica. Ao fim, foi firmado um memorando que formaliza a intenção de cooperação, um marco inicial.
Vamos assim que a expansão do capital imperialista chinês já é uma realidade também no estado de Santa Catarina. E que ele manifesta-se com sua presença em setores tão diversos como portos, ferrovias, aviação, tecnologia e energia. Trata-se de uma confirmação regional da tendência nacional de sua penetração em pontos estratégicos da economia nacional. Seu objetivo claramente se dirige a buscar lucros, acesso a recursos naturais e controle logístico.
Na cidade de Joinville – a maior de Santa Catarina -, desde setembro de 2023, a prefeitura e um grupo de investidores chineses discutiam a instalação de uma nova indústria na cidade, tendo em vista sua capacidade logística e sua força de trabalho qualificada. As negociações avançaram e agora a entrada do capital chinês na cidade já é uma realidade com a instalação em curso de uma fábrica da chinesa TP-Link no Perini Business Park, importante parque industrial da cidade.
O investimento estimado da operação é de R$ 80 milhões, com a expectativa de contratação de 800 trabalhadores já neste ano de 2025. A estimativa de faturamento desse empreendimento é em torno de R$ 400 a R$ 450 milhões, o que corresponderia a cerca de 1% do PIB municipal.
Joinville já vinha tendo alguma presença de capital chinês com a Eklem Silicones, também instalada no Perini Business Park desde 2016, quando saiu da cidade de Santo André, no ABC da região metropolitana de São Paulo. Essa empresa é uma marca da companhia China National Bluestar Group. Trata-se, porém, de uma fábrica pequena, com cerca de 50 funcionários, que contou com um investimento inicial de R$ 40 milhões.
Outra presença rastreável desde 2015 é a Donper, fabricante chinesa de compressores para sistemas de refrigeração e a terceira maior do mundo no segmento (atrás apenas da Embraco e de outra companhia chinesa). A Donper – ligada ao Hubei Donper Electromechanical Group – estabeleceu um centro de desenvolvimento tecnológico em Joinville, localizado na Rua XV de Novembro, com cerca de 30 funcionários. O investimento nessa unidade foi de cerca de R$ 10 milhões e, até o momento, consta que esse centro já gerou ao menos 10 patentes registradas na operação local.
Um caso digno de destaque é o da startup brasileira Peixe Urbano. Foi adquirida em outubro de 2014 pela gigante chinesa de tecnologia Baidu, que frequentemente é chamada de “Google chinês”. Após isso, o Peixe Urbano passou a integrar o ecossistema de produtos e serviços do Baidu.
Em janeiro de 2017, o Peixe Urbano decidiu transferir sua sede do Rio de Janeiro para Florianópolis, contando com cerca de 400 funcionários. Contaram para isso uma carga tributária mais favorável, um maior interesse chinês nos negócios em tecnologia catarinenses e a possibilidade de reduzir custos com engenheiros e salários, devido ao custo de vida mais baixo.
Os casos de Joinville e de Florianópolis ilustram em um nível local como o capital imperialista da China combina diferentes formas de penetração. Utiliza desde a instalação direta de fábricas e centros tecnológicos e de inovação, passando por aquisições estratégicas de empresas nacionais, até a incorporação de startups ao seu ecossistema global.
Estamos diante de uma ofensiva que tanto tende a transformar o perfil produtivo das cidades brasileiras, quanto também subordina a força de trabalho e sua inovação ao comando de um novo capital estrangeiro. O que é apresentado para as massas como modernização e dinamismo econômico significa, na prática, a integração subordinada do Brasil à divisão internacional do trabalho arquitetada por um novo imperialismo.
Acordos Lula-Xi Jinping 1.0
A vitória de Lula nas eleições de 2022 significou, entre outras coisas, uma inflexão na política externa do Estado brasileiro em relação à China. Uma vez que o Partido dos Trabalhadores estava novamente à frente do governo federal, após um intervalo de seis anos, retomaram as orientações que marcaram seus primeiros mandatos.
Retomou-se uma política de valorização das relações com os países do chamado “BRICS”, assim como com o Mercosul. Esse movimento de aproximação, entretanto, não começou no atual mandato de Lula. Já em 2011, Dilma Rousseff fez uma visita oficial à China em seu primeiro ano de mandato.
Naquele momento, buscou-se ampliar a pauta exportadora para além da soja e do minério de ferro, incluindo setores industriais e tecnológicos. Foram assinados 22 acordos, que abrangeram desde ciência e tecnologia até cooperação em aviação civil. Foram passos que aprofundaram a tendência de instalação de capital chinês em setores estratégicos do Brasil e consolidaram a China como principal parceiro comercial.
Em abril de 2023, logo no início do atual mandato, Lula fez uma visita de quatro dias à China. Entre os resultados do Encontro Brasil-China, foram assinados mais de 40 acordos, envolvendo áreas como energia renovável, indústria automotiva, agronegócio, linhas de crédito verde, tecnologia da informação, saúde, turismo e infraestrutura.
Pode-se destacar projetos como o entre a brasileira Prumo Logística e a chinesa SPIC para geração de energia renovável no Porto de Açu (RJ). A brasileira Seara e a chinesa JAC Motors articularam a aquisição de 280 caminhões elétricos pela empresa JBS. A brasileira Friboi e a chinesa WHC estabeleceram parceria para distribuição de produtos no mercado chinês. A mesma Friboi combinou com a chinesa COSCO (China Ocean Shipping Company) a construção de cinco navios de celulose e contratos de transporte de longo prazo.
A Vale firmou 8 acordos com várias empresas e instituições chinesas. Tais acordos abordam siderurgia de baixo carbono, motoniveladora zero emissão, biocarvão e linhas de crédito verde. A gigante chinesa ZTE e a brasileira Unifique firmaram parceria para fortalecer a rede 5G no Sul do Brasil.
Foi nessa época, em fevereiro daquele ano, que anunciou-se um acordo para realizar transações entre o Brasil e a China por meio de uma “tubulação” para pagamentos que não passasse pelo dólar. Outra definição do Encontro Brasil-China de 2023 foi de que o ICBS Brasil seria o banco designado para articular esse procedimento, que prometia tornar as transações mais rápidas e mais baratas.
O Bank of China reportou em outubro daquele ano que realizou a primeira operação comercial Brasil-China financiada e liquidada na moeda chinesa Renminbi (RMB), com conversão direta para reais (sem dólar). No mês de abril de 2024, a chinesa CGN obteve RMB 160 milhões em financiamento, por meio do ICBC Brasil, para instalar módulos e inversores destinados a uma usina solar no Ceará. Desde então, o Bank of China tem registrado concessão de empréstimos de capital de giro em RMB para empresas brasileiras e chinesas que operam no Brasil.
Os acordos firmados por Lula em 2023 consolidaram assim a posição da China não apenas como principal parceiro comercial do Brasil, mas também como investidor estratégico em setores-chave da economia nacional, aprofundando a dependência do país ao capital chinês.
Acordos Lula-Xi Jinping 2.0
Já em maio de 2025, Lula fez outra visita à China. Desta vez, foram assinados 20 acordos bilaterais, contemplando até 50 anos. Entre os investimentos, estão US$ 1 bilhão para a produção de um inovador biocombustível de aviação e criação de um centro de pesquisa e desenvolvimento em energia renovável, uma parceria do Senai CIMATEC com a gigante chinesa Windney Energy Technology Group.
A China anunciou ainda R$ 27 bilhões em investimentos no Brasil, contemplando as áreas de infraestrutura, tecnologia, educação e formação profissional. Também estão previstos um Centro de Transferência Tecnológica MCTI-China, cooperação espacial com a China National Space Administration, além de plataformas colaborativas em ciência, agropecuária e energia.
Entre os projetos tecnológicos, prevê-se a construção de um centro virtual de pesquisa e desenvolvimento em Inteligência Artificial, em uma parceria da empresa pública brasileira Dataprev com a chinesa Huawei. Uma articulação entre a Telebras e a chinesa Spacesail irá produzir satélites de baixa órbita e expansão da internet em áreas remotas.
Além disso, prevê-se a transferência de tecnologia na produção de vacinas, APIs, insumos e equipamentos médicos. Uma cooperação está combinada também para o refino de minerais raros, baterias elétricas e valorização de lítio, nióbio, cobalto, cobre etc.
Outro projeto importante acordado entre o Brasil e a China foi a construção do Corredor Ferroviário Leste-Oeste e rotas bioceânicas. Também chamado de Projeto da Ferrovia Bioceânica, trata-se de um empreendimento que pretende conectar o Atlântico (no Brasil) e o Pacífico (no Peru) por dentro da América do Sul. Isso significaria uma redução de cerca de 10 mil quilômetros na distância comercial com a China.
O projeto da ferrovia prevê cerca de 4.400 km de extensão, partindo do Porto de Ilhéus (Bahia), atravessando Goiás, Mato Grosso, Rondônia, Acre e cruzando os Andes até o litoral do Peru. O destino final é o Super Porto de Chancay, que já está inaugurado. Esse último é um hub logístico de importância estratégica no Pacífico, construído com capital chinês e que agora é por ele gerido.
Importante frisar que a Ferrovia Bioceânica ainda está em fase de projeto. É uma obra muito grande, que pode ser que nunca chegue a se realizar completamente. Porém, indica claramente a intenção da China em reduzir o tempo de transporte de mercadorias entre Brasil e China. Além disso, busca criar uma alternativa para não depender mais do Canal do Panamá, que agora está em disputa com os EUA.
Apesar de não ser objeto direto dessa visita de Lula à China, cabe destacar as operações da BYD no Brasil. A gigante chinesa de veículos elétricos e híbridos anunciou, em julho de 2023, a instalação de sua primeira fábrica no Brasil, em Camaçari, na Bahia.
Para isso, ela ocupou as instalações da antiga Ford, apropriando-se da infraestrutura produtiva já existente deixada pela empresa americana em 2021. O investimento inicial foi de R$ 3 bilhões, com a produção de três modelos de carros elétricos e capacidade anual de 150 mil veículos. A BYD também anunciou planos de fabricar ônibus elétricos e baterias de lítio no Brasil.
Só em 2025, a BYD pretende despachar um total de 200 mil veículos para o Brasil. Fabricantes e sindicatos brasileiros têm pressionado para que o governo antecipe o aumento da alíquota de exportação de 10% para 35% previsto para 2026. É para 2026 também que a empresa projeta o pleno funcionamento de sua fábrica em Camaçari.
Pode-se destacar também o papel que Dilma vem cumprindo à frente do NDB (Banco dos BRICS), sediado em Xangai. Por indicação de Lula, ela tomou posse em 2023 e seguirá à frente da instituição até 2029 – devido ao apoio recebido por parte da Rússia para sua recondução. Desde o início de sua gestão, o banco já aprovou 29 projetos no Brasil, somando US$ 7 bilhões.
Essa nova rodada de acordos entre Brasil e China aprofundou a dependência estratégica do país ao capital imperialista chinês sob a fachada de “cooperação tecnológica” e “desenvolvimento sustentável”.
Dragão na América Latina
Toda essa situação foi deixando a burguesia americana cada vez mais alarmada com a crescente influência chinesa no Brasil. Essa tendência, entretanto, tem sido observada não apenas no Brasil, mas também em praticamente toda a América Latina. A relação da China com o continente já é antiga. Num primeiro momento, a China comprava apenas matérias primas, o que segue fazendo.
Porém, o caráter de sua relação modificou-se. Agora o governo chinês incentiva as empresas de capital chinês a intervir na região, em setores como o de lítio, energia e carros elétricos. Dos 26 países da região, 24 estão participando em ao menos um projeto envolvendo a conexão com o comércio chinês, a Nova Rota da Seda.
Os meios políticos que os chineses têm usado para influenciar o continente tem sido a ideia de que o dito “Sul Global” deve se unir contra “o imperialismo”. Com base nisso, vão utilizando seus investimentos para fazer pressão sobre os governos, para que seus países se abram para eles cada vez mais. Isso levou a uma situação em que a América Latina é a segunda região onde mais investe-se capital chinês.
Os imperialistas chineses estão influenciando também as dívidas públicas dos estados na América Latina, por meio de diversos empréstimos. O capital chinês tem tido um papel importante para permitir que estados rolem suas dívidas, ao financiá-las. No último período, a China se converteu em um dos principais credores da região, respondendo por cerca de 20% da dívida externa de alguns países latino-americanos.
Há casos em que a China ultrapassou credores tradicionais como os EUA e o FMI (Fundo Monetário Internacional). Em 2022, por exemplo, mais de 30% da dívida externa de países como Argentina, Venezuela e Bolívia estava com credores chineses. Esses empréstimos geralmente são oriundos de bancos estatais chineses e aumentam o poder de influência econômica e política da China via dívida na América Latina.
Toda a história recente da América Latina, porém, tem sido a da dominação por parte dos Estados Unidos. Ao longo desse período, o Tio Sam utilizou de diversos mecanismos e ingerências para garantir que tal situação se mantivesse. Esses meios incluíram pressão diplomática, financiamento de órgãos e entidades que funcionavam como agências ideológicas, embargos econômicos, organização e treinamento de militares e agentes públicos e até mesmo o golpe militar de 1964.
O fato é que agora o capital americano e sua influência política continua sendo dominante em vários países da região, como México e na América Central. Porém, a situação já não é essa em países como o Chile, o Brasil, o Perú e a Colômbia. Nesses países, os sócios comerciais mudaram, a China alcançou a dianteira e isso tem tido implicações políticas para cada uma dessas nações. No caso colombiano, há uma situação de transição, em que os EUA seguem sendo o principal sócio comercial, porém o país busca cada vez mais apoiar-se na China.
Margem de manobra
Esse é o pano de fundo que permite compreender porque Petro sente-se mais forte para se opor e desafiar abertamente o imperialismo americano. A Colômbia não apenas negou-se a aceitar a chantagem americana, mas também entrou em negociações diretas com a China para contornar a pressão econômica dos EUA.
Apesar disso, é preciso ter um senso de proporção. Os Estados Unidos seguem sendo a potência mais poderosa do planeta e portanto sua força mais reacionária. A China está buscando disputar a posição dos EUA para converter-se no principal parceiro comercial para a América Latina de conjunto. Entretanto, em termos de volume de capital investido e de fluxo de capital extrangeiro, os americanos seguem à frente da China, responsáveis por 38% do valor investido em 2024 na América Latina e no Caribe.
Constata-se que a principal e dominante potência imperialista no continente segue sendo os EUA (e em menor medida os imperialismos europeus). Eles valem-se para isso de vantagens como capital já instalado, proximidade geográfica, sua presença militar, vínculos estreitos com exércitos da região etc. Entretanto, claramente a China está tentando reafirmar seus interesses e acessar mercados, áreas de investimento, fontes de matérias primas e energia, assim como rotas comerciais.
Evidentemente que os imperialistas americanos não vão ceder e desistir sem lutar em toda a América Latina. Pode-se observar tal movimento com o que aconteceu no Panamá. Bastou a visita de um alto representante do Estado americano pressionando o presidente e o Panamá saiu da Roda da Seda. Não satisfeitos, os EUA querem recuperar o controle direto do Canal do Panamá, uma disputa que ainda está por ter seu desfecho. Entretanto, já conseguiram colocar tropas americanas no lugar.
Esse novo cenário na América Latina, protagonizado por uma disputa interimperialista entre os EUA e a China, deve levar a conclusões sobre o que está acontecendo no continente. Uma delas é que conduz a uma situação muito volátil em todos os países.
Mudanças muito dramáticas e rápidas podem ocorrer na economia e na vida das massas da América Latina, o que deve ter forte influência sobre a consciência dos trabalhadores e se manifestar em novas ondas de luta de classes na região. Nessa disputa, contudo, a classe trabalhadora e os oprimidos apenas podem contar com suas próprias forças. Não pode-se ter e nem alimentar nenhuma ilusão na China.
Agressão de Trump
A agressão de Trump contra o Brasil por meio das tarifas pode ser entendida como mais um episódio de reação do imperialismo americano para manter sua zona de influência sobre a América Latina contra a crescente interferência da China. Dito isso, faz-se necessário compreender o que exatamente Trump está perseguindo como objetivos no Brasil e o real sentido de suas ações.
Longe de ser um louco, Trump é antes de tudo um legítimo representante de um setor da classe burguesa mais poderosa do planeta e um experiente negociador dessa classe. Sigamos suas pegadas.
Trump tomou posse na Casa Branca em 20 de janeiro. Já no dia 24 daquele mês, chegou a Manaus um voo com 88 brasileiros deportados dos EUA, muitos sob escolta, com algemas nos pulsos e tornozelos. A situação causou grande comoção nacional e reclamação diplomática. Porém, a mensagem era clara. Tratava-se de uma das várias humilhações lançadas pelo imperador contra seu vassalo, que antecedeu outras agressões que tinham por objetivo submeter o Brasil aos ditames de Washington.
Outra das primeiras agressões ocorreu em 12 de março, quando os Estados Unidos impuseram uma tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio do Brasil. Já em 2 de abril, definido pelo governo americano como “Dia da Libertação”, ocorreu o anúncio de tarifas de 10% sobre as exportações brasileiras, com vigência a partir de 5 de abril. O argumento foi de que necessitavam proteger a indústria americana.
Segundo Trump, o Brasil mantinha uma relação desleal com os EUA, pois a balança comercial estaria desfavorável para os EUA. Entretanto, a motivação alegada não passava de uma fake news. Ao observar-se os dados, revela-se que a relação comercial Brasil-EUA é superavitária para os EUA há muitos anos. Só em 2024, houve um saldo positivo para os americanos de US$ 7 bilhões apenas em bens e de US$ 28,6 bilhões quando são incluídos os serviços.
Outro fator envolvido nas tarifas, informado pelo próprio presidente americano, foi uma tentativa de retaliar os BRICS e qualquer tentativa de minar a posição do dólar na ordem financeira mundial.
Essa política de nacionalismo econômico, o “América First”, na verdade, persegue diversos outros objetivos simultaneamente. Um deles é forçar empresas de capital americano a instalar-se em território americano caso queiram continuar tendo acesso lucrativo ao maior mercado consumidor do planeta. Mesmo que isso seja feito ao custo de destruir todo o investimento já feito nos países, como no México e no Brasil.
Outro objetivo de Trump é golpear os setores produtivos do Brasil que concorrem com a indústria americana. Dessa forma, busca ampliar os mercados dessas últimas tanto em território americano quanto, a médio prazo, no próprio mercado consumidor brasileiro. Por isso, a lista de 694 isenções anunciada pela Casa Branca contempla apenas produtos que não são produzidos pelos EUA ou dos quais são dependentes do Brasil, como suco de laranja.
O principal objetivo das tarifas de Trump, entretanto, é levar o Brasil a uma situação de crise que force o governo Lula a negociar condições favoráveis para os EUA em detrimento da China. Quer dizer que buscavam prejudicar a posição da China em relação ao Brasil e restringir sua capacidade de investir e explorar o mercado brasileiro. Esse foi o sentido das negociações firmadas entre os EUA e a União Europeia, que implicou em várias medidas contrárias a parcerias e investimentos chineses.
Nova Rota da Seda
Ao contrário do que esperava Trump, a resposta do governo Lula se deu na forma de uma maior aproximação com a China, expressa no Encontro Brasil-China de maio deste ano, já analisado neste artigo. De certa forma, Lula seguiu o exemplo de Petro na Colômbia ao se dirigir à China para buscar contrabalançar a pressão de Washington. Ainda mais, o Brasil está buscando aprofundar relações com os países que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã, Indonésia e Arábia Saudita) e apoiando-se no Mercosul.
Recordemos que já em 21 de dezembro de 2024, ainda como presidente-eleito, Trump declarou que os EUA deveriam “retomar o controle” do Canal do Panamá, alegando que eram cobradas tarifas exorbitantes e acusando uma suposta influência chinesa na gestão da via. Em 20 de janeiro, durante seu discurso de posse, Trump alegou que o canal foi “quebrado” e que a China estaria operando o canal. Nas semanas seguintes, os americanos ameaçaram ações econômicas e inclusive uma invasão militar para garantir acesso dos EUA ao canal.
Sob pressão, a empresa chinesa de Hong Kong, a CK Hutchison Holdings, que opera portos nas entradas do canal, iniciou negociações com o consórcio liderado pela americana BlackRock para venda de sua posição. Contudo, essas negociações foram vetadas pela China, que agora exige a entrada da empresa estatal operadora de portos COSCO no acordo.
Em 1º de abril, o Panamá e os EUA firmaram um acordo para posicionar tropas americanas próximas ao canal, sob a alegação de que fariam treinamento e uso humanitário do lugar. Ao mesmo tempo, a China tem recorrido à diplomacia na ONU e a outros organismos de arbítrio do comércio internacional para interromper a venda das ações e reverter o processo de pressão americana.
Voltemos agora nossa atenção para um dos itens acordados no Encontro Brasil-China de maio deste ano, o Corredor Ferroviário Leste-Oeste e as rotas bioceânicas. Esse projeto, uma vez concretizado, irá equivaler a outro Canal do Panamá, só que este sob completa influência da China. Mas mais do que isso.
Essa iniciativa tem como objetivos facilitar o escoamento de produtos brasileiros (como soja, milho, carne e minério) para o mercado asiático. Além disso, busca reduzir custos logísticos e tempo de transporte. Por fim, almeja diminuir a dependência de rotas marítimas longas, como o Canal do Panamá ou o Cabo da Boa Esperança.
Diferente do Canal do Panamá, o Projeto da Ferrovia Bioceânica permitiria à China articular seus investimentos no Brasil e em toda a região. Esse é também um dos significados da Nova Rota da Seda para a região.
Esse projeto representaria um enfraquecimento do controle americano sobre as rotas comerciais mundiais, uma redução em sua capacidade de prejudicar o desenvolvimento de seu principal rival no mundo e dificultaria ainda mais sua competitividade no continente.
Porrete sobre o mais débil
Faz-se necessário compreender outro elemento marcante da situação política atual. Como exímio negociador, Trump não está disposto a aceitar a primeira resposta dos países atingidos por suas tarifas. Pelo contrário, ele reage a cada movimento dos governos e exerce pressão onde eles têm maior vulnerabilidade, por meio do enorme peso dos EUA na economia mundial, buscando levá-los aos termos do acordo que Trump almeja. Seu principal objetivo com sua guerra comercial em escala mundial é, claramente, barrar o desenvolvimento da China e fechar as portas dos mercados que considera sua zona de influência.
Tendo isso em vista, o Brasil foi selecionado por Trump como o adversário mais vulnerável e adequado no momento para atingir, indiretamente, mas duramente, a China. Por isso lançou as maiores tarifas já aplicadas contra um país, excetuando a própria China. Vulnerável porque, diferente da Índia, por exemplo, o Brasil não exerce uma influência importante sobre a economia americana. Além disso, pela sua posição geográfica e relações econômicas e políticas, o Brasil não tem capacidade de articular e favorecer diretamente inimigos dos americanos, como a Rússia, a China e o Irã.
Trata-se de um alvo adequado porque é o maior mercado consumidor da América Latina e tem sido o destino, como vimos, de cada vez maiores quantidades massivas de capital chinês. A absoluta subordinação do Brasil à política americana significaria um duro golpe para os planos chineses para a região e para a disputa que a China estabelece em escala global contra os EUA.
Essas são razões que permitem ir além de explicações abstratas e impressionistas sobre a situação política e que possibilitam compreender concretamente porque os EUA decidiram escalar a guerra comercial contra o Brasil iniciada em março para uma tentativa de ingerência direta sobre o Brasil a partir de 9 de julho.
Clã Bolsonaro
A carta publicada por Trump dirigida a Lula anunciou a elevação das tarifas para 50% sobre os produtos brasileiros entrarem nos EUA a partir de 1º de agosto. Além do motivo econômico já discutido, entre os argumentos de Trump consta que o julgamento contra Jair Bolsonaro trata-se de uma desgraça internacional e ordena – como um imperador – que o processo de “caça às bruxas” conduzido pela Suprema Corte de uma nação independente deve terminar “imediatamente”.
Essa ingerência direta sobre o Brasil busca interferir no contexto político em desenvolvimento. Trump almeja reabilitar os direitos políticos de Jair Bolsonaro, animar a base bolsonarista a pressionar por políticas favoráveis a Washington e viabilizar uma candidatura presidencial totalmente submissa aos EUA nas eleições do próximo ano.
Lembremos que, durante o primeiro mandato de Bolsonaro, o governo federal expressou um alinhamento político e ideológico com os EUA. Isso foi manifestado por Bolsonaro pela busca intensa de aproximação com Donald Trump em políticas como o antiglobalismo e pautas de guerra cultural, e pelo alinhamento diplomático, inclusive em fóruns internacionais.
Tudo isso apesar de o Brasil sofrer com tarifas sobre seu aço e alumínio entre 2018 e 2020 e pela restrição de seu acesso a novos mercados agrícolas. Nessa época, o Brasil recebeu o status de aliado extra-OTAN em 2019, que facilita a cooperação militar e a compra de equipamentos. Bolsonaro, contudo, tardou em reconhecer a vitória de Biden em 2021 e manteve uma relação fria com o sucessor de Trump.
Por todo esse período, a China foi o principal parceiro comercial brasileiro, com o Brasil exportando principalmente soja, minério de ferro e carne, que resultaram em superávits bilionários. Apesar disso, integrantes e aliados do governo Bolsonaro protagonizaram diversos atritos diplomáticos com Pequim, com críticas à China durante a pandemia e acusações sobre a origem da COVID-19.
Contudo, as relações entre Brasil e China mantiveram-se com um fluxo comercial normal, sem sanções ou restrições. Nesse período, houve pressão dos EUA para excluir a Huawei do 5G brasileiro. Porém, o leilão de 2021 acabou permitindo participação indireta de empresas ligadas à Huawei.
No momento, entretanto, Bolsonaro encontra-se não apenas inelegível por condenação, como também enfrenta diversos outros processos judiciais e já está inclusive em prisão domiciliar. Vários de seus antigos aliados enfrentam processos semelhantes e que têm o mesmo sentido: por meio do Judiciário, busca-se suprimir da cena política as figuras mais próximas a Bolsonaro e que ameacem perturbar o funcionamento ordinário das instituições burguesas e os planos da burguesia brasileira.
O clã Bolsonaro reagiu a isso e o senador Eduardo Bolsonaro, um dos alvos dos processos judiciais em curso, fugiu para os Estados Unidos, onde passou a articular com figuras políticas e autoridades americanas um contra-ataque. A nova ofensiva de Trump contra o Brasil tem a clara impressão digital de Eduardo e tem o sentido de pressionar para colocar à frente do governo brasileiro um regime favorável a Trump e hostil à China.
Se à frente desse governo, ao fim e ao cabo, estará Jair Bolsonaro ou outra figura que herde seu espólio, é indiferente para Trump, desde que a sua política seja de subordinação ao imperialismo americano sob a forma de “America First”, em detrimento da China.
Big Techs
Faz-se necessário também analisar a fundo as acusações de Trump de que o STF brasileiro emitiu centenas de ordens secretas e ilegais de censura contra plataformas de redes sociais dos EUA, ameaçando-as com multas milionárias ou expulsão do mercado brasileiro. Por meio da carta, Trump instruiu o Representante Comercial dos EUA a abrir uma investigação contra o Brasil por supostas práticas comerciais injustas no comércio digital.
Ele pressiona o país a alterar suas políticas e regulações em alinhamento com o que desejam as Big Techs, como a revisão da responsabilização de plataformas decidida pelo STF em 25 de junho, a proposta de regulação da IA e de regras sobre transparência algorítmica e direitos autorais.
O fundo da questão é que o setor de tecnologia americano representa hoje o ramo mais dinâmico e lucrativo da indústria dos EUA. Diferente de setores como o de automóveis, que encontra-se estagnado há anos, as gigantes empresas de tecnologia têm produzido lucros fabulosos e sido motivo de esperança e ganância por parte da burguesia americana.
Apesar de ter entrado em conflito com seus representantes (Google, Meta, X [antigo Twitter], entre outros) durante a eleição de 2024, agora Trump não só se reconciliou, como também intervém no Brasil em seu nome e em prol de seus interesses.
A repulsa de Trump e das gigantes da tecnologia por qualquer legislação restritiva deve-se ao fato de que responsabilizar as empresas e impor regulações mínimas corresponderá a uma redução da taxa de lucro de suas operações e, portanto, do quanto de valor a burguesia dos EUA podem extrair da classe trabalhadora do Brasil.
Quando Trump e as Big Techs falam de “livre expressão”, na verdade estão buscando proteger seus lucros e seus interesses particulares, ao custo de um ambiente digital atravessado por influências ocultas e propício a todo tipo de ações abjetas, criminosas e sem responsabilização de seus perpetradores e cúmplices.
Compele-se citar também que essa polêmica visa restringir a entrada de empresas de tecnologia chinesas no mercado brasileiro. Trata-se da mesma orientação adotada tanto por Biden quanto por Trump que buscou bloquear a Huawei de operar nos EUA e em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil.
Como já apontado neste artigo, o capital imperialista chinês já tem claramente mostrado sua vocação para avançar também nesse setor no Brasil, como na forma do data center chinês da PowerChina previsto para Lages e do Peixe Urbano controlado pela “Google chinesa” Baidu.
Reações governamentais
No dia 15 de julho, o Brasil regulamentou a Lei de Reciprocidade Comercial e possibilitou ao governo adotar retaliações previstas pelo documento. Em 1º de agosto entraram em vigor as tarifas de 50% sobre a maioria dos produtos brasileiros.
A reação chinesa não tardou: Pequim declarou “apoio irrestrito” ao Brasil frente às tarifas de Trump, prometendo ampliar as compras de commodities brasileiras e abrir novas linhas de crédito em RMB para empresas nacionais. Simultaneamente, reforçou sua narrativa de que Brasil e China devem caminhar juntos contra o “hegemonismo” americano.
Uma das medidas práticas de apoio da China ao Brasil diante da escalada da agressão americana foi a isenção e facilitação comercial. No caso do café brasileiro, a China credenciou 183 produtores brasileiros como exportadores de café, zerando suas taxas pelos próximos 5 anos para facilitar o acesso ao mercado chinês. Além disso, o governo de Pequim flexibilizou as regras para compra de aeronaves brasileiras da Embraer, com a China demonstrando interesse em ampliar essa operação.
Outra manifestação chinesa foi o anúncio neste mês de agosto de inauguração de uma fábrica de carros elétricos e híbridos da montadora chinesa GWM em Iracemápolis (SP). O investimento previsto é de R$ 10 bilhões ao longo de sete anos e espera-se gerar cerca de 10 mil empregos diretos e indiretos.
Além de prometer fortalecer os BRICS, a China também comprometeu-se a promover a abertura de mais produtos industrializados brasileiros para o mercado chinês. Para isso, convidou o governo brasileiro a investir em ações de marketing e de captação de clientes na China que se interessem pelas mercadorias brasileiras. Obviamente que quão mais comprometido o Brasil se torna com a China, tendo-a como compradora de seus produtos, maior deverá ser a submissão do Brasil ao capital chinês.
Do lado interno, o governo Lula buscou capitalizar politicamente o conflito. Entretanto, optou por não utilizar a Lei de Reciprocidade Comercial. A orientação que adotou foi, por um lado, denunciar a arbitrariedade da ação de Trump e o caráter vende-pátria de seus apoiadores no Brasil, assim como insistir sobre a necessidade de os EUA negociarem sob termos justos e razoáveis com o Brasil.
Além disso, em 13 de agosto, o governo anunciou um pacote de socorro de 30 bilhões de reais (cerca de US$ 5,5 bilhões), via Fundo de Garantia às Exportações. Também garantiu outros 4,5 bilhões em apoio a pequenos empresários. O plano inclui isenções fiscais e medidas de estímulo ao consumo interno. As medidas foram adotadas por meio de decreto, o que permite que tenham vigência imediata.
O PT e os partidos de esquerda da base governista, por sua vez, apresentaram-se como defensores da soberania nacional, ainda que a prática real seja de submissão ao capital estrangeiro, seja americano ou chinês. Centrais sindicais convocaram atos simbólicos contra Trump, mas sem organizar qualquer paralisação real que pudesse mobilizar a classe trabalhadora de forma independente.
Apesar disso, pesquisa realizada entre 11 e 13 de agosto atesta que a popularidade de Lula subiu, enquanto cresceu o apoio político interno ao governo frente às ações de Trump. Escancara-se uma situação complexa, onde o Brasil não cede às chantagens de Trump, o governo amplia sua submissão a um imperialismo rival dos EUA e adota medidas capitalistas para salvar os capitalistas e a esquerda e os sindicatos limitam-se a apoiar as medidas do governo e não apresentam um programa que arme os trabalhadores diante da situação.
Sistema em descrédito
Ainda em julho, os EUA sancionaram o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, por meio da Lei Magnitsky. Quer dizer que o ministro teve seus bens congelados nos EUA, seus vistos foram revogados e foi promulgado um “estado de emergência nacional”, que permite aos EUA impor tarifas adicionais como retaliação política.
A burguesia brasileira, por sua vez, respondeu com pragmatismo. O Estadão e outros grandes veículos rapidamente alinharam sua cobertura para denunciar Trump e criticar os seus apoiadores nativos, como o governador de São Paulo. Ao mesmo tempo, exaltaram a necessidade de “moderação” e de negociações com Washington.
Para essa classe, não interessa romper com os EUA, mas sim garantir estabilidade mínima para seus negócios. Daí a defesa cerrada das instituições: não por algum princípio democrático, mas porque a previsibilidade institucional permite melhores margens de lucro.
É por isso que setores da burguesia apoiam tanto Alexandre de Moraes: não necessariamente por afinidade política, mas porque sua atuação garante ordem jurídica para os negócios, mesmo que isso signifique arbitrariedades políticas.
O pano de fundo dessa disputa é um sistema político em ruínas. Após quase duas décadas de políticas de austeridade, desde o primeiro governo Dilma até o teto de gastos de Temer e o “arcabouço fiscal” de Lula e Haddad, as massas trabalhadoras viram apenas o aprofundamento da precarização.
Serviços públicos deteriorados, inflação que corrói salários e desemprego estrutural corroem a legitimidade da já falida Nova República. A cada crise, as instituições perdem ainda mais credibilidade.
Quando o Judiciário move uma caçada seletiva contra a extrema direita, como no caso Bolsonaro, pode até aplacar temporariamente o bolsonarismo, mas ao mesmo tempo reforça a percepção de que se trata de um regime manipulado por cima.
Essa percepção amplia o descrédito das massas não apenas em relação à direita, mas em relação a todas as instituições da ordem. Tudo isso prepara uma situação política ainda mais explosiva e uma radicalização cada vez maior de amplos setores da sociedade. Isso tende a se expressar eleitoralmente com giros à direita e à esquerda.
Nenhuma confiança no imperialismo chinês
Diante da agressão americana, o governo Lula e sua base apresentam a China como “aliada estratégica” do Brasil. Mas é preciso deixar claro: o imperialismo chinês não é amigo do povo brasileiro. A China, como potência imperialista, busca apenas ampliar seus lucros e garantir mercados para seus capitais excedentes.
O discurso de um “mundo multipolar” soa sedutor, mas significa apenas a multiplicação de pólos imperialistas que exploram a riqueza produzida pelos trabalhadores. A falácia do “Sul Global” cai por terra quando se observam as condições impostas pelo capital chinês na África, onde empréstimos se transformaram em dívidas impagáveis, e na Ásia, onde projetos da Nova Rota da Seda submeteram países inteiros a esquemas de dependência.
Para o proletariado brasileiro, substituir a dominação americana pela chinesa não é emancipação, mas apenas a troca de senhores. O caso da BYD em Camaçari é exemplar: apresenta-se como símbolo da reindustrialização, mas impõe regimes de trabalho intensivos e busca flexibilizar a legislação trabalhista.
Em dezembro de 2024, uma força-tarefa composta por diversos órgãos públicos resgatou 163 trabalhadores chineses que haviam sido deslocados para Camaçari para trabalhar em “condições análogas à escravidão” nas obras da fábrica da BYD.
Os operários estavam alojados em locais insalubres, sem colchões, com pertences misturados a alimentos, sob vigilância armada, com jornadas exaustivas e sem descanso semanal. Eles foram deslocados com vistos para serviços especializados, porém, realizavam tarefas distintas das previstas. Além disso, tiveram os passaportes retidos pelos empregadores e foram levados a assinar contratos com cláusulas ilegais.
O caso da BYD em Camaçari ilustra algumas características do imperialismo chinês. Outros imperialismos tradicionalmente empregam a força de trabalho do país onde se instalam e adequam-se às normas regionais. Os capitalistas chineses não apenas exportam seu capital. Às vezes também exportam encarregados, pessoal de supervisão e equipes técnicas.
No caso em questão, exportaram trabalhadores chineses encarregados da montagem das instalações, submetidos à superexploração e ao regime análogo à escravidão que estão acostumados a aplicar na China. Pretendiam com isso acelerar ao máximo a instalação do capital chinês em Camaçari e, tão logo quanto possível, começar a produção dos veículos da BYD e realizar as primeiras vendas.
Trata-se, portanto, de um capital tão, e em alguns casos até mais, parasitário quanto o americano, alemão, francês, japonês ou coreano. Além disso, busca estabelecer sua competitividade implementando no Brasil o mesmo tipo de regime de trabalho e exploração a que submete o proletariado na China.
Capitalismo de matriz chinesa
Conforme mais e mais o capital imperialista penetrar no Brasil, pode-se esperar uma pressão maior para o recrudescimento da legislação trabalhista e para a piora das condições de trabalho. Ao invés de favorecer a luta contra a escala 6×1, a situação tende a ser uma pressão pela adoção da escala chinesa 669.
Essa jornada era a regra na China até 2021, em que os trabalhadores trabalhavam das 9 da manhã às 9 da noite, durante 6 dias por semana. É uma escala 6×1 piorada, com 12 horas diárias de trabalho e 72 horas semanais.
Essa forma de trabalho levou a uma onda de mortes por exaustão e suicídio entre trabalhadores do setor de tecnologia. Após uma enorme repercussão e mobilização dos trabalhadores, essa jornada foi banida oficialmente. Porém, continua sendo praticada no país.
Além disso, como uma forma de competir com as empresas chinesas, as empresas americanas agora estão adotando a mesma jornada. Buscam disfarçar essa forma de maior exploração de riqueza dos trabalhadores sob argumentos ideológicos de “comprometimento”, “cultura de ambição” ou “espírito de startup”. Mas a receita é a mesma.
O mesmo se repete em outros setores dominados por capital chinês, onde proliferam denúncias de superexploração, terceirização abusiva e até práticas análogas ao trabalho escravo. Não se trata de exceções: é o padrão do capitalismo de matriz chinesa, que combina alta tecnologia com brutalidade nas relações de trabalho.
Soberania nacional e seu agente histórico
Em 1º de agosto, ocorreram manifestações em várias cidades, como São Paulo e Brasília, com queima de bonecos representando Trump e Bolsonaro e slogans em defesa da soberania brasileira. Apesar da imobilidade dos partidos de esquerda e dos dirigentes sindicais, uma vanguarda foi às ruas manifestar um genuíno sentimento anti-imperialista.
Na mesa de cada família proletária, nos locais de trabalho e nos locais de estudo, os trabalhadores e os jovens debatem a agressão imperialista de Trump. As pesquisas de opinião favoráveis ao governo Lula são mais um indicativo disso.
É necessário compreender o ambiente de simpatia das massas por Lula em seu enfrentamento com Trump. Uma tarefa dos comunistas diante dessa situação é, a partir dessa expressão de sentimento anti-imperialista, explicar pacientemente os perigos da posição de Lula. Mostrar aos trabalhadores que se apoiar num imperialismo nascente, embora mais pujante, dinâmico e menos manchado do que o americano, irá fortalecer esse novo senhor, preparará um novo período de dominação e manterá a condição de independência apenas formal do Brasil.
Permanece em aberto, dessa forma, como o Brasil pode alcançar uma genuína soberania nacional. Está claro para setores cada vez mais amplos das massas que os bolsonaristas são na verdade vende-pátrias, que colocam seus interesses mesquinhos e particulares à frente dos da nação. Estão aparecendo de forma pública e clara pelo que são: agentes do grande capital imperialista americano que opera no Brasil.
Lula e os governistas estão gozando de uma certa simpatia das massas por não se sujeitarem à ingerência de Trump sobre o país. Entretanto, está claro a partir da análise apresentada que o governo Lula nada mais faz do que trocar o imperialismo ao qual se curvará. Longe de se tratar de uma defesa da soberania nacional, a política de Lula mantém o Brasil na condição de um país dominado e semicolonial, só que agora mais inclinado a se curvar para Xi Jinping do que para Donald Trump.
Diante desse cenário, a conclusão é inequívoca: nenhum setor da burguesia brasileira, nem aliado ao imperialismo americano, nem associado ao imperialismo chinês, é capaz de defender a soberania nacional. O proletariado não pode esperar nenhum benefício seja do imperialismo americano, seja do imperialismo chinês, seja de sua burguesia nativa covarde e traidora.
Portanto, o único sujeito histórico capaz de garantir a independência real do Brasil é o proletariado. A soberania nacional passa por expulsar todos os imperialismos do país, incluindo tanto o americano quanto o chinês.
Para garantir seu êxito, os trabalhadores terão necessariamente que assumir o controle da economia da nação, colocá-la sob seu controle coletivo e organizar a produção de acordo com um planejamento democrático que corresponda às grandes necessidades atuais do povo brasileiro.
Um regime desse tipo, que ponha a classe trabalhadora à frente de toda a nação, enfrentaria a oposição feroz de todos os imperialismos. Portanto, a luta pelo socialismo no Brasil não pode dissociar-se da luta contra o capitalismo a nível mundial e apenas seria um primeiro passo nessa jornada de combates. Os aliados do proletariado, dos pobres do campo e da cidade do Brasil são os trabalhadores e camponeses do mundo, incluindo aqueles dos EUA e da China.
Somente a classe trabalhadora, organizada em partido próprio, armada com a teoria do comunismo e disposta a romper com a ordem burguesa, pode conduzir o país à verdadeira soberania por meio de uma revolução socialista. É para ajudar o proletariado a realizar essas tarefas históricas que os comunistas revolucionários realizam sua atividade militante.
Contra Trump e Xi Jinping, só a classe trabalhadora em sua ação independente da burguesia e dos imperialismos, em luta pela abolição do capitalismo, pode garantir soberania e emancipação.